- Entrevistas
A situação que estamos enfrentando atualmente é uma novidade. Não para a história da humanidade, que já havia sido marcada (entre outras) pela Gripe Espanhola em 1918; mas para todos que estão hoje em idade ativa – toda aquela parte da população com mais de 15 anos, apta a exercer uma atividade econômica.
Isso significa que a grande maioria das empresas existentes hoje em dia nunca enfrentou uma pandemia, ou uma situação de isolamento social de abrangência mundial – muito menos, uma crise desse porte. A crise econômica que já mostra seus sinais será decisiva para muitos negócios e, nesse momento, a grande chance de sobrevivência está na inovação.
Por isso, convidamos o professor Dr. Paulo Zawislak, economista e especialista em Gestão da Inovação, para conversar conosco sobre este momento e sobre como a inovação pode auxiliar empresas em tempos de crise. Desde já, agradecemos sua contribuição para o nosso blog.
SoftDesign – Gostaríamos de começar esse bate-papo com a definição de inovação. Sabemos que, atualmente, existem alguns usos indevidos dessa palavra; então, conceitualmente, o que é inovação?
Paulo Zawislak – Eu sempre digo que ‘inovação’ é uma palavra que hoje caiu na boca do povo, por assim dizer, no bom sentido (ainda bem!). Ela tem ganhado as manchetes dos jornais, as conversas de bar, enfim, tem servido para explicar uma série de coisas. O uso mais corriqueiro de uma palavra faz com que aliviemos um pouco o seu significado, deixando-o mais solto, por assim dizer, e portanto acabamos usando-a de uma forma mais ampla, genérica.
A primeira palavra que vem à cabeça quando usamos o termo inovação está no radical do próprio, que é a palavra novo. Obviamente, quando falamos de inovação estamos falando de algo novo, de uma novidade, e isso é absolutamente verdade
Mas eu, como economista e pesquisador dessa área, tento entender o conceito além desse significado, de uma forma mais científica. Então, tem um lado, que é o da novidade, mas existe todo um outro lado que respalda a explicação do próprio desenvolvimento econômico. É esse ‘segundo nível’ da definição que, digamos assim, está em alta por exemplo com o boom das startups, empresas de tecnologia, empresas ligadas à transformação digital. Novos produtos, processos, tecnologias, modelos de negócios, formas de atuar no mercado, enfim, todas essas coisas que dizem respeito ao mundo dos negócios e que, para entrar em um mercado, se estabelecer, se consolidar e sobreviver, toda empresa precisa levar em conta ao longo da sua trajetória, são inovação. Então, não basta simplesmente eu achar algo novo: inovação tem que estar ligada ao universo das empresas.
Inovação, fundamentalmente, é a novidade feita por uma empresa com o objetivo de entrar em um mercado, se estabelecer, consolidar sua posição e ficar, se possível, ampliando a sua participação nesse mercado. Inovação é a novidade que gera valor para a empresa e, portanto, para a sociedade.
Obviamente que tudo o que uma empresa faz só gera valor se um outro agente reconhecer aquele valor como, me perdoem a redundância, valioso. Ou seja, tudo que uma empresa fizer tem que ser feito para que o consumidor, o cliente de um modo geral, aceite aquela novidade como sendo realmente valiosa. Claro que na inovação, a forma mais simples é o desenvolvimento de um novo produto que vende. Mas eu diria que inovação são as novidades que uma empresa precisa realizar para se manter viva ao longo do tempo. Inovação pode ser em operação, gestão, estratégia, marketing, enfim, em todas as áreas.
SD – Como as empresas podem conservar essa mentalidade de inovação? Sabemos que alguns negócios possuem núcleos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), laboratórios, enfim, iniciativas que funcionam como impulsionadoras dessa mentalidade. Tu achas que elas são efetivas?
PZ – Acho que sim. Antes de responder essa pergunta, acredito que é importante entendermos por que uma empresa inova. Vou tentar ser bem simplista, mesmo esse assunto sendo muito mais complexo. Fundamentalmente, uma empresa inova por dois mecanismos:
1) Ela é colocada frente a um problema: o seu produto não está vendendo, o seu processo está com baixa produtividade, a gestão deixa de ser eficiente, entre outros. Esses problemas são resultado da dinamicidade do ambiente, do mercado, e da transformação dos clientes. São o resultado da desatualização normal de toda e qualquer empresa. Por exemplo, neste momento, frente a uma iminente necessidade, os aplicativos para vídeo-chamadas estão se tornando mais qualificados. Há um mês, usávamos o Skype, o WhatsApp; mas o nível de exigência das pessoas subiu, e agora usamos o Zoom, o Whereby, o Teams, softwares com um maior número de funcionalidades, de facilidades. Os usamos todos os dias, porque é uma necessidade, porque um agente externo de crise nos levou a um processo de mudança.
2) O outro mecanismo é porque a empresa está atenta e sempre pensando à frente. Os empresários do Zoom podem ter, há alguns anos, pensado “e se viesse uma crise, uma pandemia, que as pessoas tivessem que ficar isoladas em casa, como é que elas iriam fazer para conversar, para se encontrar, para trabalhar? Temos que fazer um aplicativo que permita isso tudo, de forma muito simples, com uma banda razoável”. Entende? É aí que as soluções começam a ser desenvolvidas.
Eu diria para vocês que (um número que não é perfeito do ponto de vista estatístico, mas que dá uma ordem de grandeza) menos de 10% das empresas inovam por estarem atentas, com uma postura mais proativa. As demais, se fizerem alguma coisa, agem da primeira forma – estão sempre sentadas aguardando um problema acontecer para reagir. Essas têm uma postura reativa.
SD – E nesse processo, muitas empresas acabam deixando de existir, certo?
PZ – Claro. Eu arriscaria dizer que, no Brasil, muito menos de 5% tem a inovação em seu DNA (no sentido acima – esse número talvez seja mais de acordo ao que vemos em países como Estados Unidos, Alemanha e Coreia). Então, respondendo à pergunta inicial de vocês, para que uma empresa se mantenha inovando ela deve estar nesse grupo mais restrito. Ela resolve interagir com a universidade, contrata pessoas com um perfil arrojado, criativo, monta um departamento específico para pensar desenvolvimento de produto, processo, gestão. Essa empresa é a que está nas capas dos jornais.
É o exemplo que temos hoje do Zoom, que em anos anteriores foi o exemplo do Uber, Facebook, Google, Apple, Microsoft, General Motors, Ford, Bayer, etc. Ou seja, todas essas mantém a mentalidade inovadora, ou porque têm um grande produto, ou uma grande capacidade de penetração no mercado, ou porque têm fábricas espalhadas pelo mundo, ou um modelo de gestão completamente diferente.
O que a gente espera, e esse é o principal trabalho do Grupo de Pesquisa que eu coordeno, o Núcleo de Estudos em Inovação (NITEC) da UFRGS , é trazer cada vez mais empresas que estão na maioria para o grupo de excelência. Ou seja, empresas que transformem o seu um posicionamento em algo diferente. Nesse sentido, vocês têm razão ao dizer que a grande maioria das empresas podem quebrar no médio e longo prazo, porque não trazem dentro de si o DNA da mudança contínua, do fazer diferente, de estar sempre oferecendo algo novo.
O que temos nos perguntado no NITEC é “qual é o perfil da empresa que não é inovadora?” Estamos trabalhando com uma base de dados de aproximadamente 1.300 empresas industriais do Rio Grande do Sul (RS), que foram cadastradas desde 2015. Agora, em 2020, as nossas pesquisas têm mostrado que aproximadamente 300 dessas empresas não existem mais, o que representa mais de 20% do todo. Olhando para os dados dessas 300, descobrimos que na maioria delas, o DNA era exclusivamente operacional.
Elas viviam para fazer todo o dia exatamente a mesma coisa, para o resto da vida. Essas empresas não se dão conta que o que elas fazem do mesmo jeito, todos os dias, a cada dia que passa, está um dia a mais distante da novidade que os clientes estão esperando que elas façam.
Hoje eu faço algo que vende. Amanhã eu vou vender 0,2% a menos. Na semana que vem, 0,5% a menos. E eu nem percebo que estou perdendo o mercado, já que a rotina vai sendo executada normalmente e a empresa vai sobrevivendo. Aí, quando chega uma crise como essa atual, a gente percebe de um dia para o outro que o negócio ficou para trás. É brutal.
SD – Tu dirias então que em uma situação de crise, como a que estamos enfrentando, as empresas que já tem um DNA inovador, vão sair melhores? Será que é o momento das empresas que não tem esse DNA tentarem desenvolvê-lo?
PZ – Nós temos na crise do coronavírus inúmeras mudanças forçadas. A crise é ao mesmo tempo uma tragédia e oportunidade. As empresas que têm inovação no seu DNA enxergam invariavelmente como oportunidade. As demais, tem que se separar o joio do trigo.
Todo mundo que abre um negócio aceita um risco. Todo mundo que abre um negócio, sabe que pode dar errado. Logo, esses têm, nas veias, um mínimo de sangue que aceita correr o risco. O risco é a diferença entre o que eu sei e o que eu precisaria saber. Empresas que sabem mais do que precisariam saber são empresas inovadoras. É obvio que quem escolheu abrir um negócio, sabe que pode perdê-lo. Com essa consciência, a ideia é tentar, ao menos inicialmente, atender da maneira mais próxima à expectativa do mercado. E, nesse raciocínio, eu ouso dizer que todo mundo que abre um negócio tem uma centelha inovadora.
O problema é o que acontece depois, durante o funcionamento da empresa: não organizou o sistema de contabilidade; não pensou sobre o marketing; enfim, uma série de pequenas coisas que fugiram do conhecimento inicial.
Essa maioria de empresas menos inovadoras se dividem então em dois grupos: aquelas que são desorganizadas e que acabam correndo atrás da máquina o tempo inteiro (e, ai, a gota de sangue inovadora desaparece); e aquelas que conseguiram se organizar e estão tentando descobrir uma novidade, uma coisa nova para lançar no mercado. Esse grupo é muito interessante.
O contexto atual é trágico, porém em termos empresariais é sim uma oportunidade – infelizmente, não necessariamente para todos. Por exemplo: em um extremo, temos o mercado de turismo, ou de entretenimento, que efetivamente não tem o que fazer agora – as empresas dessas áreas podem até tentar, mas a presença física é fundamental nesses negócios. No outro extremo, temos atividades que vão continuar e que nesse momento estão sendo postas à prova, como a área da saúde – quem tem a capacidade de desenvolver uma máscara nova, um respirador barato, etc. No meio, temos um miolo da economia que pode aproveitar o momento, como o mercado de tecnologia, com as ferramentas de vídeo-chamadas, o ramo alimentício, no qual os restaurantes podem desenvolver novas formas de levar a comida e a experiência de consumo até seu público, entre muitos outros.
O que nós vamos descobrir depois da crise? Que, entre muitas outras coisas, quem não for digital vai ter dificuldades para ‘sair de casa’. Ou ainda, que aqueles que não gerenciavam seu fluxo de caixa, sempre usando todo o dinheiro do caixa da empresa, hoje não têm fundo para investimento no amanhã.
Essa triste crise está acelerando uma mudança de comportamento nas pessoas. Como são as pessoas que fazem as empresas – e que consomem produtos e serviços – tudo irá mudar.
Uma crise é uma oportunidade. Mas como qualquer oportunidade, ela só será pescada por aqueles que têm a centelha da inovação. As outras empresas, infelizmente, terão muitas dificuldades para sobreviver. Essa crise vai fazer uma revolução no mercado e as empresas mais ineficientes dificilmente vão voltar.
As empresas que estão conseguindo desenvolver soluções rapidamente, se não sabiam que conseguiam, vão ficar sabendo que, de agora em diante, elas podem criar novidades – e que essas novidades podem se transformar em inovações. A crise, além das oportunidades, podem acender de novo a centelha da inovação.